Segurança Jurídica e Sustentabilidade: Reflexões sobre a Decisão do STF e o Futuro da Saúde Suplementar (Dr. Marcos Santos)
A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que fixa critérios objetivos para a cobertura de tratamentos não previstos no Rol de Procedimentos e Eventos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), representa um marco relevante na evolução e segurança jurídica da saúde suplementar brasileira.
O Supremo Tribunal Federal decidiu que o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS deve ser considerado referência básica obrigatória para a cobertura assistencial dos planos de saúde, mas não de forma absoluta. Ficou estabelecido que, em situações específicas, tratamentos não previstos no rol podem ter possibilidade de cobertura desde que sigam cinco requisitos cumulativamente:
- Ser prescrito por médico ou odontólogo assistente;
- Não ter sido expressamente negado pela ANS na Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar (COSAÚDE), nem estar pendente de análise para inclusão no Rol;
- Não haver alternativa terapêutica adequada já disponível no Rol da ANS;
- Ter comprovação científica de eficácia e segurança através de avaliações robustas de tecnologias (ATS);
- Ter registro ativo na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA);
Com isso, o STF buscou equilibrar segurança jurídica e sustentabilidade do sistema com a possibilidade de exceções justificadas, reduzindo a judicialização sem fechar a porta para inovações médicas comprovadamente benéficas
Desde a promulgação da Lei nº 9.656/1998, que instituiu as bases regulatórias para os planos de saúde, o país convive com o desafio de equilibrar direitos individuais e sustentabilidade coletiva. Mais recentemente, a Lei nº 14.454 trouxe alterações que, embora apresentadas como avanço, acabaram por gerar maior complexidade. Ao criar hipóteses de exceção ao rol, abriu-se espaço para interpretações que relativizam sua função de parâmetro mínimo obrigatório, reduzindo a segurança jurídica e dificultando o cálculo atuarial – um componente indispensável em qualquer sistema baseado no mutualismo.
O Rol da ANS é peça central na Saúde Suplementar. O documento confere previsibilidade, estabelece balizas claras e permite que operadoras, prestadores e beneficiários tenham parâmetros objetivos para as coberturas. Ao mesmo tempo, deve ser dinâmico: um documento que se atualize com agilidade suficiente para incorporar avanços médicos reais e relevantes, de modo a não deixar pacientes eventualmente privados de terapias efetivas por morosidade regulatória, como já foi no passado, com atualizações bianuais e com restrição a respeito de propositores de eventuais novas incorporações. Tudo isso já foi corrigido.
A sociedade precisa compreender as consequências das novas incorporações. Nem sempre significam melhor saúde, mas invariavelmente representam aumento de custos. São raríssimas as novas tecnologias mais baratas que as anteriores, que serão substituídas. O desafio é garantir que as novas incorporações sejam pautadas por evidências robustas, de forma responsável, para que a variável “melhor saúde” seja de fato prioritária e não mero argumento retórico.
A judicialização, nesse contexto, revelou-se um caminho complexo. Embora muitas vezes movida pela legítima busca de acesso, levou à incorporação compulsória individual de tecnologias de eficácia duvidosa e preços exorbitantes, gerando desequilíbrios que impactaram de maneira relevante a coletividade. É justamente por isso que o trabalho do Médico Auditor, com esta recente decisão do Supremo Tribunal Federal ganha em relevância. Cabe ao Médico Auditor aplicar critérios técnicos regulatórios, avaliar a robustez das evidências e verificar a real pertinência de cada caso, equilibrando inovação, segurança do paciente e sustentabilidade, dentro doa parâmetros ora colocados.
Outro ponto central, neste contexto, segue sendo a precificação de medicamentos e tecnologias em saúde no Brasil. Desde sua fundação, a SBAM defende a necessidade urgente de revisão desse modelo. O atual processo de definição de preços, frequentemente desconectado da proporcionalidade entre custo e benefício, gera distorções que pressionam os orçamentos da Saúde Suplementar e levam a reajustes, por vezes, insustentáveis. Um grupo de trabalho específico foi criado pela nossa sociedade para estudar o tema, e propostas concretas serão em breve encaminhadas às instâncias competentes, sempre com base em evidências robustas e nas melhores práticas internacionais.
Conclui-se, portanto, que o único caminho conhecido para garantir um Sistema de Saúde equânime e sustentável passa por três pilares: avaliação crítica das evidências, revisão racional do modelo de precificação e valorização do Ato Médico de Auditar. Somente assim será possível atingir o melhor resultado possível para todos – beneficiários, profissionais, operadoras e sociedade. E a recente decisão do Supremo, entendemos, contribui de maneira definitiva para este objetivo.